A maioria das pessoas espera que as marcas – em vez de ativistas e governos – se posicionem por e com a sociedade. As empresas são mais confiáveis do que os políticos e mais da metade dos consumidores são “orientados pelas crenças”, o que significa que procuram e recompensam as marcas “para valer”. Esses dados fazem parte da pesquisa 2018 da Edelman Earned Brand study.
Os negócios com consciência e práticas sustentáveis têm um grande diferencial competitivo, mas que de nada serve se não for comunicado corretamente. Nesse mundo infinito de informações na internet, redes sociais e plataformas, produzir conteúdo de qualidade e que faça sentido para a sua audiência é fundamental.
“Somos viciados em crescimento, mas uma economia saudável deveria ser concebida para prosperar e não para crescer. A economia se tornou muito degenerativa, desestabilizando o delicado equilíbrio do planeta do qual dependemos. Satisfazer as necessidades de todos, mas dentro do que o planeta permite, convida a uma nova forma de progresso. Esse é o novo desafio do século XXI”, afirma a economista britânica e criadora da Economia Donut, Kate Raworth.
Cada vez mais os clientes, mas também os colaboradores, estão exigindo ações socioambientais dos negócios que eles apoiam e onde querem trabalhar.
Consumir é uma maneira de votar. Estamos fazendo escolhas que impactam a vida das pessoas, o meio ambiente, enfim o mundo em que vivemos.
“A sociedade tem expectativas maiores em relação ao papel das empresas e, se quisermos atrair os melhores talentos, a proposta de valor deve incorporar propósito social e ambiental. Os jovens hoje buscam se aproximar de organizações mais cidadãs e sustentáveis”, afirma a empresária e fundadora do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), Renata Nascimento.
Eu acredito com todo meu coração que num futuro, relativamente próximo, não haverá mais uma área socioambiental nas empresas. Todas as marcas serão socioambientais. Isso estará no core business. E tem que comunicar muito bem.
Há empresas que comunicam de maneira genuína e falam com seus clientes de uma forma que os toca, engaja e os torna embaixadores da marca.
Vou falar rapidamente sobre alguns negócios que fazem isso lindamente e mostrar como fazem.
Ciclo Orgânico
É um negócio social carioca de assinaturas de baldinhos onde você deposita seu lixo orgânico e funcionários passam de bicicleta na sua residência ou empresa para coletar depois. Assim não emitem CO2 na atmosfera, como carros e motos. Foi criado por um rapaz tímido e cheio de propósito, o engenheiro florestal Lucas Chiabi. No final do mês, você ainda recebe um saco de 2 kg de adubo e sementes para plantar. A cada saco que um cliente ganha, outro vai para escolas municipais e hortas comunitárias.
Revoada
A marca do Rio Grande do Sul fabrica bolsas e mochilas com câmara de pneus (resíduo que leva mais de 500 anos para se decompor) e tecido de guarda-chuvas (comprado de catadores de material reciclável). Também produz jaquetas lindonas e presentes corporativos. A venda é realizada por lote (sem estímulo ao consumo desenfreado).
Os materiais são higienizados em uma lavanderia industrial com captação de água da chuva e a produção é realizada em pequenos ateliês de costura.
Positiv.a
Esfregão produzido a partir de sobras de redes de pesca industrial recicladas e frasco de produtos feito de plástico coletado em praias. Você já entende de cara o core business da Positiv.a, empresa que surgiu em 2014 e se baseia nos princípios da economia circular e apoio à agricultura familiar (escolha de fornecedores). Ela fabrica produtos de limpeza para toda a casa, cozinha e lavanderia. São biodegradáveis, hipoalergênicos e veganos (sem nada de origem animal).
Mancha Orgânica
A marca carioca produz tintas 100% livres de metais pesados, não testa em animais e utiliza como matéria-prima pigmentos vegetais, como urucum, açafrão, açaí, cacau e erva-mate.
Segundo um dos sócios fundadores, Amon Costa, “percebemos que não existia uma tinta que fosse coerente com nossos princípios, sustentabilidade, atóxica, à base de água e que pudesse ser descartada sem causar nenhum tipo de problema ao meio ambiente”.
1. Por que publicar esse conteúdo?
Tem que fazer sentido, tem que informar, acrescentar. Conteúdo aleatório não te leva a lugar nenhum.
O Ciclo Orgânico produz posts e artigos no blog sobre como ter uma horta, dicas de reciclagem práticas, o que é pegada ecológica, como ser mais sustentável, etc. Por quê? Porque o seu público se interessa por esses temas. Eles estão conectados com os valores deles.
A Revoada fala sobre a importância de separar o lixo corretamente, economia circular, moda, consumo consciente e muito mais.
A Positiv.a explica como deixar a sua casa mais ecológica, dá dicas de filmes que vão mudar a sua visão de mundo, alerta sobre os males que resíduos de detergente tradicional podem provocar, estimula o uso de ecobags, etc.
2. Fale sobre suas parcerias
Na Semana Mundial do Meio Ambiente, quem fez a assinatura de um dos planos do Ciclo Orgânico ganhava uma latinha do Brownie do Luis, marca que produz gostosuras com forte pegada ambiental, além de disponibilizar no site a receita do brownie. Quer fazer e vender o doce? Vai fundo! Duas empresas com responsabilidade ambiental e valores alinhados na construção de um mundo sustentável.
Outra colaboração que faz todo sentido: Revoada e ecobags Ben & Jerry’s (marca que apoia várias causas bacanas como comércio justo, igualdade de gênero e tem opção de sorvete vegano). As bolsas serão vendidas nas lojas da Ben & Jerry’s e foram produzidas por costureiras da Cooperativa Mãos Amigas, na periferia de Porto Alegre.
A Mancha Orgânica faz oficinas em parceria com escolas municipais do Rio de Janeiro e com os Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi). Algumas com crianças autistas.
A Positi.va já fez uma promoção que quem comprasse o Kit Boas-vindas ganhava um exemplar da revista Vida Simples.
3. Qual o seu diferencial?
O que você faz que ninguém faz igual? Quais são as suas práticas socioambientais? Por que os consumidores devem comprar de você e não das outras dezenas ou centenas de opções disponíveis? E, principalmente, como você comunica isso?
O slogan da Mancha Orgânica é “Mantenha ao alcance das crianças.” Há fotos com bebês e crianças lambuzadas de tinta na boca e pelo corpo todo. Um post diz: “Bento, levado e comedor de tinta orgânica. Passando para alegrar sua manhã e desejar boa semana.” Qual mãe não vai ser tocada por essa mensagem?
Em outro: “Ver os pequenos brincando e aprendendo livremente confirma que há um belo caminho para a sustentabilidade, o bem-estar e a saúde de todos”.
A Positiv.a fala sobre os seus produtos: bucha livre de petroquímica, não risca panelas e talhares, ideal para bebês, pet friendly (seguros para animais de estimação que ficam em contato com o chão) e compostáveis. Essas palavras soam como música aos meus ouvidos.
A quantidade de pessoas alérgicas ao cheiro dos produtos e aos resíduos que ficam nas roupas lavadas também pode ser um problema. Para quem considera seus bichanos integrantes da família é um fator importante.
Ciclo Orgânico tem posts sobre mudança climática, explica o que é pegada de carbono, mostra como fazer uma horta em casa, dicas de reciclagem práticas e muito mais.
4. “Eu podia ter escrito isso” ou “Eu super me identifico com isso”
Quando o seu conteúdo está alinhado aos valores e desejos do seu cliente dá match. É esse conteúdo que ele vai querer compartilhar.
Segundo Paula Mascarenhas, Senior Creative Producer na empresa de mídia BuzzFeed Brasil, você tem que atingir no ponto da identidade própria para isso guardar uma força muito grande. “As pessoas não vão compartilhar seu conteúdo, elas vão compartilhar uma parte da identidade delas que está ali colocada no que você está produzindo”. Já parou para pensar nisso?
“Sabia que a cada Bolsa Retângulo produzida, evitamos que dois guarda-chuvas e um câmara de pneu parem em um aterro sanitário, no meio da natureza?” é um dos vários posts da Revoada ressaltando os benefícios para o planeta ao escolher comprar um produto da marca.
“Precisamos estar mais conscientes do nosso papel, essa mudança de mentalidade envolve muitas pessoas, especialmente os fabricantes e consumidores como nós, mas se não começarmos a fazer a diferença como vamos estimular este sistema a mudar?” Eu escrevo posts como esse com frequência. Para mim, Giane, por exemplo, que vivencio e trabalho com sustentabilidade, sou vegetariana, não compro produtos de couro animal e valorizo o trabalho de catadores faz todo sentido ser consumidora e me conectar com essa marca.
A Positiv.a realiza mutirões de limpeza de praias e convida a população a participar.
5. Vídeo vale ouro
De onde vem? Quem faz? Como é feito? Os clientes CADA VEZ MAIS fazem essas perguntas e você tem de ter uma resposta muito boa e verdadeira.
A Positi.va tem vídeos mostrando de onde vem a matéria-prima de cada produto: esfregão de redes de pesca é confeccionado em Santa Catarina e mostra a artesã com a mão na massa, assim como também conta que a flanela é produzida na Paraíba, fortalecendo a produção orgânica. Outro vídeo mostra um casal em Minas Gerais responsável pelas buchas vegetais e que explica por que não utiliza agrotóxicos.
A maioria dos vídeos no Instagram do Ciclo Orgânico é de reposts de clientes. Gentemmm qual o valor disso? É intangível, na verdade.
6. Vocabulário próprio
Ter bom humor, linguagem descontraída e criatividade são ingredientes ótimos para desenvolver relacionamentos.
Mancha Orgânica: “Eu sou a borra do café, a água da beterraba, o amarelo do açafrão e a boca suja de açaí”. Indicadas para crianças de 0 a 100 anos!
Positiv.a: O básico, que vai te ajudar naquele home detox que você e sua casa merecem!?
Revoada: os clientes são chamados de Vuelistas, vamos juntos, vá de revoada.
Ciclo Orgânico: feche o ciclo, estou com a natureza, galinhas composteiras, transformamos lixo em ouro.
7. Muito amor envolvido
Quando se cria um senso de pertencimento, uma relação, os valores alimentados entre marca e clientes vão muito além do produto-consumidor.
No ano passado, o Ciclo Orgânico teve um dos triciclos roubados em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, e postou no Facebook pedindo ajuda. Além disso, o Lucas Chiabi gravou um vídeo para informarem, caso alguém o tivesse visto. E uma rede linda se formou a partir de Joana Crochemore que, em parceria com João Ramil e a ajuda do Prana Cozinha Vegetariana, Vegan Ti, Redley, Agência SOMAR e Manuela Jácome, movimentaram um crowdfunding na Benfeitoria para a compra de um novo triciclo. Eles conseguiram arrecadar mais do que a quantia necessária!!!
“Revoada é um bando de aves em voo – grupo de pessoas movimentado e alegre – profusão, bando – ocasião propícia, oportunidade”. Eu tenho uma mochila da marca que pode durar séculos e me considero fazendo parte desse bando do bem, que deseja adquirir produtos com propósito e qualidade e ajudar a resolver os problemas do mundo contemporâneo.
A Positiv.a tem produtos mais caros que os tradicionais? Sim e não. O que é caro? “Caro é aquilo que a gente acha que não vale a pena pagar. Em contraposição ao preço, fomos acostumados a comprar um detergente super barato, mas de baixíssima qualidade, que faz mal para nós e para a natureza e, assim, regula-se o preço da categoria.”, diz um post da empresa. Eu concordo 200%. Há muito valor por trás desse produto.
Reforço de posicionamento, maior engajamento (de qualidade) dos seguidores; aumento de visibilidade e possibilidade de novos clientes. Por isso quem faz bonito, tem que pegar o megafone e anunciar aos quatro ventos.
Precisamos de empresas com propósitos e valores alinhados à construção de um mundo mais humano, amoroso e sustentável. E isso requer pessoas que entendam o impacto que causamos na natureza e na vida humana.
Você já ouviu falar em greenwashing? É quando empresas afirmam que têm produtos ecológicos ou práticas sustentáveis, mas não é verdade. Ou quando dizem que não utilizam determinada matéria-prima prejudicial ao meio ambiente, quando na verdade ela já é proibida por lei, ou seja, não está fazendo mais do que obrigação.
Os consumidores estão muito de olho nisso. Sua credibilidade e a confiança dos clientes podem ser gravemente atingidas em um simples post nas redes sociais que viralizar. Transparência não é mais supérfluo.
“Em até cinco anos, todos os investidores medirão o impacto de uma empresa na sociedade, no governo e no meio ambiente para determinar o seu valor”. Ou seja, só vão investir em empresas que tenham no seu core business o critério ESG – Environmental, Social, Governance. Quem diz isso é Larry Fink, CEO do maior fundo de investimentos no mundo, que administra a bagatela de US$ 6,3 trilhões (quase 4 vezes o PIB do Brasil).
Se você já tem o critério ESG como pilar da sua empresa, comunique isso muito bem. Se ainda não… corra e boa sorte!
Fontes: Sustainablebrands.com, Página22.com.br, Youtube da Casa Firjan e redes sociais das marcas
Imagens: Reprodução redes sociais das marcas